sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A singularidade dos estigmas de S. Francisco de Assis

"Em 1224, dois anos antes da sua morte estando S. Francisco no monte Alverne fazendo a Quaresma de S. Miguel, de que era muito devoto, quis conhecer, para se conformar totalmente com ela, a vontade de Deus a seu respeito. Persuadido de que abrindo o livro dos Santos Evangelhos o próprio Jesus Cristo lhe diria qual era, depois de uma intensa e ferverosa oração, pediu a um companheiro santo e piedoso que em nome da Trindade Santa o abrisse por três vezes. Ora aconteceu que das três vezes sempre lhe apareceram passagens narrando a Paixão do Senhor. Compreendeu deste modo que assim como durante a vida até então tinha imitado a actividade de Cristo deveria, antes de deixar este mundo associar-se com Ele nos padecimentos da Paixão. S. Boaventura, sucessor de S. Francisco e seu biógrafo, narra na Legenda Maior o que aconteceu depois do que fica dito. Transcreve-se abaixo o seu relato. S. Francisco de Assis foi o primeiro estigmatizado da História e o único em que os estigmas não são meras feridas. " Frei Nuno Allen
"(S. Francisco) Arrebatado assim em Deus pelo impulso do seu amor seráfico, e pelo desejo de se configurar com Aquele que por um excesso de amor quis ser crucificado, certa manhã, por alturas da festa da exaltação da Santa Cruz, estando em oração num penhasco da montanha, viu descer so alto do Céu um Serafim com seis asas resplandecentes como fogo. Num voo extremamente rápido,essa figura fixou-se no ar, a pouca distância do homem de Deus. E pôde então observar entre as asas, a imagem de um corpo humano crucificado, de mãos e pés estendidos e pregados a uma cruz. Duas asas erguiam-se acima da cabeça, outras duas abriam-se para voar, e as duas restantes encobriam-lhe todo o corpo. Esta aparição deixou-o profundamente assombrado, en quanto no coração se lhe misturava a tristeza com a alegria: alegria pela expressão benigna com que se via observado por Cristo na figura desse Serafim - tristeza, porque ao ver o sofrimento de Cristo pregado à cruz, uma espada de dor lhe trespassava a alma com dolorosa compaixão. O aspecto tão misterioso dessa aparição deixava-o atónito, porque em seu entender não se poderia coadunar o sofrimento de um corpo com a espiritualidade imortal de um Serafim. Mas graças às luzes do alto, pôde enfim compreender porque é que a Divina Providência lhe proporcionava esta visão: era para que ele se fosse acomodando à ideia de que a semelhança que deveria ter com Cristo crucificado se realizaria não pelo martírio do corpo, mas pelo incêndio total da alma. A visão, entretanto, desaparecera, deixando-lhe o coração a arder em chama viva - e deixando-lhe também o corpo marcado em chagas vivas. Foi exactamente nessa altura que lhe apareceram nas mãos e nos pés as marcas dos cravos, tais como acabara de as presenciar nesse homem crucificado. Tanto as mãos como os pés davam a ideia de terem sido trespassados com pregos: as cabeças desses pregos eram visíveis nas palmas das mãos e na parte superior dos pés, enquanto nas costas das mãos e na planta dos pés se podiam ver os bicos dos mesmos pregos. As cabeças dos pregos eram arredondadas e escuras; as pontas, bastante compridas, apresentavam-se dobradas, como que rebatidas, sobressaindo do resto da carne. Também ao lado direito do peito apareceu uma cicatriz encarnada, como se tivesse sido aberta por uma lança, a qual por vezes chegava a sangrar, deixando vestígios na túnica e até nos calções interiores.  ... 

Foi assim que um amor autêntico a Cristo transformou o amigo na imagem do Amado. ... Passados ... os quarenta dias ...  Francisco, desceu do monte, trazendo consigo a imagem do Crucificado, não esculpida em blocos de pedra ou de madeira por qualquer mão habilidosa, mas reproduzida na própria carne pelo dedo do Deus vivo ...

Bastantes irmãos ... lhe viram lhe viram as chagas em vida; e se bem que a sua honestidade bastasse para merecerem o nosso crédito, no entanto, para pôr de parte qualquer dúvida, confirmaram por juramento sobre os Evangelhos ser cert que as tinham visto. Também as puderam ver alguns Cardeais mais amigos e mais íntimos do Santo. Alguns deles deram mesmo testemunho da verdade por palavra e por escrito, incluindo o louvor dos sagrados estigmas em prosas, hinos,e antífonas que compuseram em honra do Santo. O próprio Sumo Pontífice Alexandre, num sermão dirigido ao povo e a que assitiram numerosos Irmãos e eu mesmo também assisti, declarou que tinha visto com seus próprios olhos os sagrados estigmas numa altura em que o Santo ainda era vivo.

Depois da morte, mais de cinquenta Irmãos puderam contemplá-los , assim como Santa Clara com todas as suas Religiosas, e ainda inúmeros fiéis. Muitos deles, como a seu tempo se dirá, beijaram-nos por devoção e apalparam-nos com os dedos para se convencerem plenamente." (S. Boaventura, LM, 13, 3. 5. 8)