sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Nascimento de Jesus

Nascimento de Jesus no Presépio em Belém

“Hoje, caríssimos irmãos, nasceu o nosso Salvador. Alegremo-nos. Não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida, uma vida que destrói o temor da morte e nos infunde a alegria da eternidade prometida.

Ninguém é excluído desta felicidade, porque é comum a todos os homens a causa desta alegria: Nosso Senhor, vencedor do pecado e da morte, não tendo encontrado ninguém isento de culpa, veio para nos libertar a todos. Alegre-se o santo, porque se aproxima a vitória; alegre-se o pecador, porque lhe é oferecido o perdão; anime-se o gentio, porque é chamado para a vida.

Ao chegar a plenitude dos tempos, segundo os insondáveis desígnios divinos, o Filho de Deus assumiu a natureza do género humano para a reconciliar com o seu Criador, de maneira que o demónio, autor da morte, fosse vencido pela mesma natureza que ele tinha vencido. Por isso, quando nasce o Senhor, os Anjos cantam jubilosos: Glória a Deus nas alturas; e anunciam: Paz na terra aos homens por Ele amados. Eles vêem, com efeito, como se levanta a Jerusalém celeste, formada pelos povos de toda a terra. Perante esta obra inefável da misericórdia divina, como não há-de alegrar-se o mundo humilde dos homens, se ela provoca tão grande júbilo nos coros sublimes dos Anjos?

Caríssimos irmãos, dêmos graças a Deus Pai, por meio de seu Filho, no Espírito Santo, porque na sua infinita misericórdia nos amou e teve piedade de nós: estando nós mortos pelo pecado, fez-nos viver com Cristo, para que fôssemos n’Ele uma nova criatura, uma nova obra das suas mãos. Deponhamos, portanto, o homem velho com suas más acções e, já que fomos admitidos a participar do nascimento de Cristo, renunciemos às obras da carne.

Reconhece, ó cristão, a tua dignidade. Uma vez constituído participante da natureza divina, não penses em voltar às antigas misérias com um comportamento indigno da tua geração. Lembra-te de que cabeça e de que corpo és membro. Não esqueças que foste libertado do poder das trevas e transferido para a luz do reino de Deus.

Pelo sacramento do Baptismo, foste transformado em templo do Espírito Santo. Não queiras expulsar com as tuas más acções tão digno hóspede, nem voltar a submeter-te à escravidão do demónio. O preço do teu resgate é o Sangue de Cristo.” S. Leão Magno, Sermão 1

Nossa Senhora do Ó

Nossa Senhora do Ó
“Depois de anunciar à Virgem Maria os mistérios recônditos de Deus, o Anjo quis fortificar a sua fé com um exemplo e anunciou-lhe a maternidade de uma mulher idosa e estéril, como prova de que tudo o que agrada a Deus é possível.

Quando ouviu isto, Maria tomou o caminho das montanhas, não por falta de fé na profecia, nem por falta de confiança na mensagem, nem por falta de certeza na realidade do exemplo, mas guiada pelo júbilo de ver cumprida a promessa, levada pela vontade de prestar um serviço, movida pelo impulso interior da sua alegria. Cheia já totalmente de Deus, para onde havia de se dirigir senão para as alturas? A graça do Espírito Santo ignora a lentidão. Depressa se manifestam os benefícios da chegada de Maria e da presença do Senhor, pois logo que Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino exultou de alegria no seu seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo.

Repara como cada palavra está escolhida com perfeita precisão e propriedade: Isabel foi a primeira a escutar a voz, mas João foi o primeiro a pressentir a graça. Aquela escutou segundo a ordem da natureza; este exultou em virtude do mistério. Ela apreendeu a chegada de Maria; este, a do Senhor. A mulher ouviu a voz da mulher; o menino sentiu a presença do Filho. Aquelas proclamam a graça de Deus, estes realizam-na interiormente, iniciando no seio de suas mães o mistério de piedade. E por um duplo milagre, as mães profetizam sob a inspiração de seus filhos.

O filho exultou de alegria; a mãe ficou cheia do Espírito Santo. A mãe não se antecipou ao filho; foi este que, uma vez cheio do Espírito Santo, o comunicou a sua mãe. João exultou; igualmente exultou o espírito de Maria. A alegria de João comunica-se a Isabel; de Maria, porém, não se nos diz que recebesse então o Espírito, mas que o seu espírito
exultou de alegria. — Aquele que é incompreensível actuava já em sua Mãe de maneira incompreensível — Enfim, Isabel recebe o Espírito Santo depois de conceber, Maria recebera o Espírito Santo antes de conceber. Por isso, Isabel diz a Maria: Feliz de ti, que acreditaste.

Felizes também vós, que ouvistes e acreditastes, pois toda a alma que acredita, concebe e dá à luz o Verbo de Deus e reconhece as suas obras. Esteja em cada um de vós a alma de Maria, para glorificar o Senhor; esteja em cada um de vós o espírito de Maria, para se alegrar em Deus. Embora segundo a carne haja uma só Mãe de Cristo, segundo a fé Cristo é fruto de todos; pois toda a alma recebe o Verbo de Deus, desde que, sem mancha, preservada dos vícios, guarde a castidade com inquebrantável pudor. Por conseguinte, toda a alma que alcança esta perfeição proclama a grandeza do Senhor, como a alma de Maria proclamou a grandeza do Senhor e o seu espírito exultou em Deus Salvador. Como ledes noutro lugar: Engrandecei comigo o Senhor comigo.

O Senhor é certamente engrandecido por nós, não porque a palavra humana possa acrescentar alguma coisa ao Senhor, mas porque o Senhor é engrandecido em nós: Cristo é a imagem de Deus e, por isso, a alma que procede com piedade e justiça engrandece essa imagem de Deus, a cuja semelhança foi criada; e, engrandecendo-a, participa cada vez mais da grandeza divina.” Santo Ambrósio, Exposição sobre o Evangelho de S. Lucas

S. João Baptista - A Voz

S. João Baptista

“João (Baptista) era a voz, mas o Senhor (Jesus) era a Palavra desde o princípio.
João era uma voz passageira; Cristo era desde o princípio a Palavra eterna.

Sem a palavra, que vem a ser a voz? Vazia de qualquer sentido
inteligível, não é mais que um simples ruído. A voz sem a
palavra entra nos ouvidos, mas não chega ao coração.
Entretanto, vejamos o que sucede na comunicação do
nosso pensamento. Se penso no que vou dizer, já está a
palavra presente em meu coração; mas se pretendo falar
contigo, procuro o modo de fazer chegar ao teu coração o
que já está no meu.

Então, para conseguir que chegue a ti e cale em teu coração
a palavra que já está no meu, recorro à voz e, mediante
ela, falo contigo. O som da voz leva ao teu espírito o sentido
da minha palavra; e quando o som da voz te fez chegar o
sentido da minha palavra, esse mesmo som desaparece; mas
a palavra que o som te transmitiu está já em ti sem deixar de
permanecer em mim.

Não te parece que esse som que te comunicou a minha
palavra está dizendo: Convém que ela cresça e eu diminua?
O som da voz fez-se sentir para cumprir a sua tarefa e desapareceu,
como se dissesse: Com isto a minha alegria está
completa. Retenhamos a palavra; não percamos essa palavra
concebida no mais íntimo do nosso coração.
Queres ver como a voz passa, enquanto a divindade da
Palavra permanece? Que foi feito do baptismo de João?
Cumpriu a sua missão e desapareceu. Agora é o baptismo de
Cristo que está em vigor. Todos acreditamos em Cristo,
todos esperamos a salvação em Cristo. Foi isto que a voz
anunciou.
Precisamente porque é difícil não confundir a palavra
com a voz, tomaram João pelo Messias. A voz foi confundida
com a Palavra. Mas a voz reconheceu-se a si mesma
como tal, para não lesar a Palavra. Disse: Não sou Cristo,
nem Elias, nem o Profeta. Quando lhe perguntaram: Então,
quem és? Respondeu: Eu sou a voz do que clama no
deserto: Preparai o caminho do Senhor. Voz do que clama
no deserto, voz de quem quebra o silêncio. Preparai o
caminho do Senhor, como se dissesse: Sou a voz que se faz
ouvir apenas para introduzir a Palavra no vosso coração;
mas Esta não se dignará entrar onde pretendo introduzi-la,
se não preparardes o caminho.

Que quer dizer: Preparai o caminho, senão: «Suplicai
insistentemente»? Que quer dizer: Preparai o caminho,
senão: «Sede humildes de coração»? Imitai o exemplo de
humildade de João Baptista. Consideram-no o Messias, mas
ele responde que não é o que julgam; não se aproveita do
erro alheio para uma afirmação pessoal.

Se houvesse dito: «Eu sou o Messias», facilmente teriam
acreditado na sua palavra, pois que já o tinham como tal
antes de o haver dito? Mas não disse; antes, reconheceu o
que era, disse o que não era, foi humilde.

Compreendeu donde lhe vinha a salvação; compreendeu
que não era mais que uma tocha ardente e luminosa, e
receou que o vento da soberba a pudesse apagar.” Santo Agostinho, Sermão 293

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Como em terras de Itália os hereges convidaram Santo António para comer

"Aconteceu uma vez, em terras de Itália, os hereges convidarem a Santo António para comer. E o Santo, a ver se os podia tirar do erro, aceitou o convite, a exemplo de Jesus Cristo que por essa mesma razão comia com publicanos e pecadores.

E porque sempre engendra maldades a consciência perversa, aqueles hereges a quem Santo António amiúde confundia nas disputas e sermões, à mesa puseram-lhe diante manjar de morte e venenoso. A qual perfídia logo o Espírito Santo revelou a Santo António.

E como ele com piedosas e pacíficas admoestações os repreendesse da maldade que haviam tramado, os hereges, mentindo, a remedar o demónio pai da mentira, responderam que não para outra coisa assim haviam feito senão para provarem com a experiência a verdade do Evangelho que diz: ', E, pois assim era, comesse ele do manjar que fora servido. Caso não lhe fizesse dano, prometiam converter-se para sempre à Fé do Evangelho. Mas se mostrasse medo de comer do manjar, então mais se firmavam na sua crença de que nas palavras do Evangelho se contêm falsidades.

Santo António fez o sinal da Cruz sobre o manjar envenenado, e tomando dele por suas mãos sem nenhum temor, disse:

- Pois vou comer; não para tentar a Deus, mas para que tenhais Fé no Evangelho.

E depois que comeu daquele manjar, ficou são e não sentiu em seu corpo algum incómodo. O que, vendo os hereges, se converteram à Fé católica." Florinhas de Santo António, IV


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Quem se confessa sacrilegamente entrega-se ao diabo

"Este painel está situado entre dois confessionários numa Igreja de um convento antigo. Por cima tem escrito o seguinte: 'Se calas ao confessor os peccados que fizeste; ao Diabo te rendeste, perdido vaz, peccador'. Os pecados a que se refere são os graves (mortais) e o calar é o silenciá-los propositadamente, por vergonha ou qualquer outro motivo. De facto para que o Sacramento da Confissão (ou Penitência) seja válido é necessário que o baptizado esteja arrependido de todos os pecados contra a lei de Deus e da Igreja, que faça um exame de consciência cuidado, que tenha um propósito firme de emenda, que confessa todos e cada um dos pecados graves de que se lembre, com as circunstâncias para compreensão da espécie de pecado, das atenuante e agravantes. Se a confissão é bem feita, o penitente recebe a Graça sendo-lhe perdoada a pena eterna devida ao pecado grave. Se, pelo contrário, dissimula e oculta comete um sacrilégio - em vez de sair reconciliado com Deus e com a Sua Igreja, sai com mais esse terrível pecado. Quem por esquecimento não confessou algun/s pecado/s deve confessá-los na sua próxima confissão (não precisa de a adiantar). Quem, pelo contrário, tiver calado de propósito, se quiser ser perdoado deverá fazer uma confissão geral porque nenhuma das confissões que fez depois de ocultar o/s pecado/s foi válida." Frei Nuno Allen

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Como Santo António tornou o pé a um moço que a si mesmo o tinha cortado



"Aconteceu muitas vezes o varão de Deus Santo António, na ânsia de salvar as almas, dizer aos pecadores os remédios a usar na emenda da sua vida de pecados. E ainda mais ... :aparecia de noite a muitas pessoas quando dormiam, e, chamando-as pelo nome, segundo elas depois contavam aos frades, falava-lhes desta maneira:

- Levanta-te e vai a tal frade ou a tal sacerdote, e confessa-lhe o pecado que em tal tempo e lugar tu cometeste.

E aqueles pecados de ninguém eram sabidos, senão de Deus.

E foi assim deste modo que muitos foram limpos, no sacramento da Penitência (Confissão), de pecados que por vergonha nunca tinham confessado.

Sucedeu também que um moço de Pádua, de nome Leonardo, veio certa vez confessar-se com Santo António, e, entre os mais pecados, declarou que tinha corrido sua mãe a pontapés, com tais fúrias que até no chão a prostrara.

Ao ouvir tão feio pecado, o varão de Deus teve palavras de muita repreensão, e no fervor de espírito, entre outras coisas, disse para o moço:


- Pé que feriu pai ou mãe, deveria logo ser cortado.

O moço que era ingénuo e simples, tomou à letra as palavras de Santo António; e na volta, ao chegar a casa, muito entristecido com a feia culpa e desconsolado com a áspera repreensão, foi-se a si e cortou o pé criminoso.

Correu a notícia pela cidade e daí a nada estava nos ouvidos da mãe do moço., a qual numa pressa correu a casa, muito aflita. Ao ver o filho com o pé cortado, logo adivinhou a causa, e foi-se aonde os frades, dando gritos e acusando Santo António de lhe ter matado o filho.

E o Santo, vindo a ela, consolou-a e legitimamente se escusou da culpa que lhe era atribuída. E depois foi ter com o moço que cortara o pé, e fazendo sua oração devotamente e com angústia, agarrou no pé decepado, ajuntou-o à perna, sobre ele fez o sinal da Cruz, e tacteando com suas benditas mãos como se estivera a soldar ou a ungir a ferida, logo o pé ficou tão bem pegado como antes o fora.

E o moço levantou-se sobre ele e começou a andar de uma parte a outra, muito alegre e satisfeito, dando graças a Deus e a Santo António." Florinhas de Santo António

sábado, 2 de outubro de 2010

Como S. Francisco converteu um lobo e arranjou as pazes entre ele e os habitantes de Gúbio


"Em tempo que S. Francisco morava na cidade de Gúbio, no condado do mesmo nome, apareceu um lobo grandíssimo, terrível e feroz, que não somente devorava os animais, senão também os homens; de modo que todos os cidadãos viviam em grande susto, porque muitas vezes se aproximava da cidade; e todos iam armados quando saíam aos campos, como se fossem para algum combate. Com tudo isso, quem sozinho o encontrava não podia defender-se, e, por medo a este lobo, chegou-se a pontos de ninguém ousar sair da terra. Pelo que, S. Francisco, compadecido dos homens daquela cidade, quis sair ao encontro do lobo, apesar de todos lhe aconselharem o contrário; ele, porém, fazendo o sinal da cruz, saiu fora da cidade com os seus companheiros, pondo em Deus toda a confiança. E temendo os outros avançar mais além, tomou ele o caminho para os lados onde o lobo estava. E eis que, à vista de muitos citadinos que tinham acudido para ver o milagre, saiu o lobo, de goelas abertas, ao encontro de S. Francisco, que fez sobre ele o sinal da cruz, chamou-o e disse-lhe assim:
 
'Anda cá, irmão lobo! Eu te mando, da parte de Cristo, que não faças mal, nem a mim nem a pessoa alguma'.
 
Coisa maravilhosa! Logo que S. Francisco fez o sinal da cruz, aquele lobo terrível fechou a boca e estacou; e, ao mando do Santo, veio mansamente, como se fosse um cordeirinho, e deitou-se-lhe aos pés. Então S. Francisco falou-lhe desta maneira:
 
'Irmão lobo, tu fazes muitos danos nesta terra, e tens cometido grandes crimes, destruindo e matando as criaturas de Deus, sem Sua licença. E não somente mataste e devoraste os animais, mas tiveste a audácia de matar e destruir os homens, feitos à imagem de Deus. Por esta razão és digno de forca, como ladrão e homicida péssimo; e toda esta terra é tua inimiga. Por esta razão, és digno de forca, como ladrão e homicida péssimo; e toda esta terra é tua inimiga. Mas eu quero, irmão lobo, fazer as pazes entre ti e eles, de maneira que tu não mais os ofendas, e eles te perdoarão as passadas ofensas, e nem os homens nem cães te perseguirão mais'.
 
Ditas estas palavras, o lobo, como movimentos do corpo, da cauda e das orelhas, e com inclinações de cabeça, mostrava aceitar o que S. Francisco lhe dizia, e querer cumpri-lo. E então S. Francisco acrescentou:
 
'Irmão lobo, visto ser do teu agrado observar esta paz, eu te prometo, da parte dos homens desta terra, atender ao teu sustento, enquanto fores vivo, de sorte que não padeças fome, porque eu sei muito bem que foi ela que te levou a fazer tanto mal. Mas agora, já que eu te concedo esta graça, quero irmão lobo, que me prometas nunca mais tornar a fazer mal nem a homem nem a animal. Prometes isto?'
 
E o lobo, com uma inclinação de cabeça, deu evidente sinal de que prometia.
 
'Irmão lobo, disse mais S. Francisco, para que eu me possa fiar de ti, quero que me dês uma prova da tua promessa'.
 
E estendendo a mão para receber o juramento, levantou o lobo a pata dianteira e familiarmente a colocou na mão de S. Francisco, dando-le o sinal pedido.
 
Então acrescentou S. Francisco.
 
'Irmão lobo, eu te mando, em nome de Jesus Cristo, que venhas comigo, sem temor algum, e vamos concluir esta paz, em nome de Deus'.
 
E o lobo, obediente, foi com ele, manso como um cordeiro. Do que os citadinos tomaram grande maravilha.
 
E subitamente correu esta novidade por toda a terra; e toda a gente, grandes e pequenos, homens e mulheres, jovens e velhos, correram à praça, a ver o lobo com S. Francisco. E estando ali todo o povo reunido, levantou-se o Santo e pôs-se a pregar, dizendo, entre outras coisas que pelos pecados permite Deus tais calamidades; e que muito mais perigoso é o fogo do inferno, que eternamente há-de durar para os condenados, do que a raiva do lobo, que só o corpo pode matar; e assim, quanto é de temer a boca do inferno, quando tanta multidão tem medo e terror à boca de um pequeno animal?
 
'Voltai, portanto, caríssimos, a Deus, e fazei condigna penitência de vossos pecados; e Deus vos livrará agora do lobo, e do fogo do inferno, no futuro'.
 
Feita esta prática, disse S. Francisco:
 
'Escutai, irmãos meus: o irmão lobo, que está aqui diante de vós, prometeu e deu-me juramento de fazer as pazes convosco e de vos não ofender mais em coisa alguma, se vós prometerdes dar-lhe os alimentos necessários; e eu fico por fiador de que ele observará fielmente o tratado de paz'.
 
Então o povo, todo a uma voz, prometeu alimentar o lobo continuamente. E S. Francisco, perante todo o povo, disse ao lobo:
 
'E tu, irmão lobo, prometes cumprir o tratado de paz, não ofendendo nem aos homens, nem aos animais, nem a criatura alguma?'
 
E o lobo ajoelhando-se, e inclinando a cabeça, e com mansos sinais do corpo, da cauda e das orelhas, mostrava, como podia, que queria cumprir todo o pacto. E disse S. Francisco:
 
'Eu quero, irmão lobo, que, da mesma maneira que fora de portas me deste fé da tua promessa, também a dês, diante deste povo, para que eu fique certo de que me não enganarás na fiadoria que fiz por ti'.
 
Então o lobo, levantando a pata direita, pô-la na mão de S. Francisco. Donde, depois e do mais que fica dito, houve tanta admiração e alegria em todo o povo, assim pela devoção do Santo como pela novidade do milagre e mansidão do lobo, que todos começaram a clamar ao céu, louvando e bendizendo a Deus, que lhes havia mandado S. Francisco para que, por seus merecimentos, fossem livres daquela besta feroz.
 
Depois viveu o dito lobo em Gúbio, ainda dois anos; e familiarmente entrava pelas casas; ia de porta em porta, sem fazer mal a ninguém, nem pessoa alguma lho fazer a ele. E era alimentado generosamente por todos, e andava tão à vontade pelas ruas, que nem os cães lhe ladravam.
 
Finalmente passados dois anos, o irmão lobo morreu de velhice; do que toda a gente houve muita dor. Vendo-o andar tão mansamente pela cidade, melhor se recordavam da virtude e santidade de S. Francisco.
 
À honra de Cristo. Ámen" Florinhas de S. Francisco, 21

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Sagrada Família de Nazaré

O Menino Jesus, Nossa Senhora e S. José. Por cima vê-se o Espírito Santo representado na pomba e Deus Pai simbolizado no triângulo luminoso. Temos pois a "Sagrada Família do Céu" - a Santíssima Trindade -, e a de Nazaré.

Santo António, a mula e o herege


"Nas regiões de Tolosa, disputava Santo António sobre o Santo Sacramento do Corpo de Deus, com um herege empedernido na sua descrença, que ao rematar lhe propôs: - Deixemo-nos de palavras e vamos a obras. Se me mostrares, com milagre, na presença de toda a gente, que no Sacramento está, de facto, o Corpo de Jesus Cristo, então te prometo acreditar no que ensina a Fé católica. E respondo-lhe o Santo, confiado no Senhor, que aceitava a proposta, tornou o herege: - Pois então vou fechar a minha mula no curral e três dias não lhe darei de comer, Ao fim, trago-a perante quem quiser assistir, e ponho-lhe diant comida. Entretanto vens tu com o Sacramento que dizes ser o Corpo de Jesus Cristo. Se a mula se prostrar em adoração diante do Sacramento, podes ficar certo de que abraçarei a Fé da Igreja.

E no dia aprazado, junto muito povo na praça grande, veio o herege na companhia de outros com a mula que três dias não comera e diante lhe pôs a comida. E chegando Santo António que celebrara Missa em ermida que no local havia, trazendo o Santíssimo Corpo de Jesus Cristo, em silêncio a multidão, disse o Santo para a mula: - Animal, em virtude e em nome do teu Criador, que eu, embora indigno, aqui tenho presente em minhas mãos, eu te mando e ordeno que prostrado, Lhe prestes adoração.

E - oh!, maravilha de contar! - àspalavras do Santo, a mula, esfomeada como estava logo parou de comer, e baixando a cabeça, caiu de joelhos diante do Sacramento. Do que muito se alegraram os fiéis católicos que assistiam, en quanto os hereges se retiravam, confundidos. E o que fizera a proposta, conforme havia prometido, acreditou na doutrina da Igreja, e, obediente, a ela se sujeitou." João Rigauld

Arcanjo S. Miguel

" ... Miguel significa "Quem como Deus?" ... Quando se trata de realizar algum mistério que exige um poder especial, verifica-se que é Miguel o enviado, para dar a entender, pela sua acção e pelo seu nome, que ninguém pode actuar como Deus. Por isso aquele antigo inimigo, que pela sua soberba pretendeu ser semelhante a Deus, dizendo: Subirei até ao céu, levantarei o meu trono acima dos astros do céu e serei semelhante ao Altíssimo, será abandonado a si mesmo no fim do mundo e condenado ao extremo suplício. É este que São João no Apoclipse nos apresenta a combater com o Arcanjo Miguel: Travou-se um combate no Céu contra o Arcanjo Miguel." S. Gregório Magno

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

S. Gabriel Arcanjo

Arcanjo São Gabriel
" ... a palavra "Anjo" designa uma função, não uma natureza. Na verdade, aqueles santos espíritos da pátria celeste são sempre espíritos, mas nem sempre se podem chamar Anjos. Só são Anjos quando exercem a função de mensageiros. Os que transmitem mensagens de menor importância chamam-se Anjos; os que transmitem mensagens de maior transcendência  chamam-se Arcanjos.

Esta é a razão pela qual à Virgem Maria não foi enviado um Anjo qualquer mas o Arcanjo Gabriel; de facto, era justo que para esta missão fosse enviado um Anjo superior, porque vinha anunciar a maior de todas as mensagens. ...

A Maria foi enviado Gabriel, que significa "fortaleza de Deus", porque veio anunciar Aquele que, apesar da sua aparência humilde, havia de triunfar sobre os poderes superiores. Convinha, de facto, ser anunciado pela "Fortaleza de Deus" Aquele que vinha ao mundo como Senhor dos exércitos e poderoso nas batalhas." S. Gregório Magno

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Nossa Senhora da Conceição, S. Marçal e Santo António

"S. Marçal foi Bispo e mártir. Sto António é franciscano. Em virtuda da sua fortíssima intimidade com Jesus Cristo e da sua simplicidade e humildade é representado com o Menino Jesus ao colo - privilégio habitualmente só concedido à Virgem Maria e a São José. A Cruz que enverga significa que foi varão muito mortificado, que não hesitou em seguir a Jesus pobre e crucificado, arrostando com todas a dificuldades e contrariedades sem nunca decair do Amor a Deus e ao próximo. Os lírios entrelaçados à cruz significam a sua excepcional pureza e castidade, da alma e do corpo." Frei Nuno Allen

Santa Clara de Assis

"Os pais de Santa Clara de Assis, que eram ricos aristocratas, opunham-se a que ela seguisse ao teor de vida Evangélica à maneira de S. Francisco. Por isso, ela foge de casa, com uma companheira, e é recebida na Igrejinha de Santa Maria dos Anjos por S. Francisco e seus primeiros companheiros. Este corta-lhe os cabelos, como nos mostra o painel, significando com isso o abandono das vaidades deste mundo e a entrega total de amor a Jesus Cristo. Abaixo, pode ler-se a catequese do Papa Bento XVI que resume esplendidamente a vida desta Santa." Frei Nuno Allen

Santa Clara de Assis

Prezados irmãos e irmãs
Uma das Santas mais amadas é, sem dúvida, Santa Clara de Assis, que viveu no século XIII, contemporânea de São Francisco. O seu testemunho mostra-nos como a Igreja inteira é devedora a mulheres intrépidas e ricas de fé como ela, capazes de dar um impulso decisivo para a renovação da Igreja.
Portanto, quem era Clara de Assis? Para responder a esta pergunta, dispomos de fontes seguras: não apenas das antigas biografias, como a de Tomás de Celano, mas também das Actas do processo de canonização promovido pelo Papa só poucos meses depois da morte de Clara e que contém os testemunhos daqueles que viveram ao seu lado durante muito tempo.

Tendo nascido em 1193, Clara pertencia a uma família aristocrática e rica. Renunciou à nobreza e à riqueza para viver humilde e pobre, seguindo a forma de vida proposta por Francisco de Assis. Embora os seus parentes, como acontecia nessa época, começavam a programar para ela um matrimónio com uma personalidade importante, Clara, com 18 anos de idade, com um gesto audaz inspirado pelo profundo desejo de seguir Cristo e pela admiração que tinha por Francisco, deixou a casa paterna e, em companhia de uma das suas amigas, Bona de Guelfuccio, uniu-se secretamente aos frades menores na pequena igreja da Porciúncula. Era a tarde do Domingo de Ramos de 1211. Na comoção geral, foi levado a cabo um gesto profundamente simbólico: enquanto os seus companheiros seguravam nas mãos algumas tochas acesas, Francisco cortou-lhe os cabelos e Clara vestiu o rude hábito penitencial. A partir daquele momento, ela tornou-se a virgem esposa de Cristo, humilde e pobre, consagrando-se totalmente a Ele. Como Clara e as suas companheiras, inúmeras mulheres ao longo da história ficaram fascinadas pelo amor a Cristo que, na beleza da sua Pessoa divina, enche o seu coração. E a Igreja inteira, por intermédio da mística vocação nupcial das virgens consagradas, mostra-se como sempre será: a Esposa bonita e pura de Cristo.
Numa das quatro cartas que Clara enviou a Santa Inês de Praga, filha do rei da Boémia, que desejava seguir os seus passos, fala de Cristo, seu amado Esposo, com expressões nupciais que podem causar admiração, mas que comovem: «Amando-o, és casta, tocando-o, serás pura, deixando-te possuir por Ele, és virgem. O seu poder é mais forte, a sua generosidade é mais elevada, o seu aspecto é mais excelso, o amor é mais suave e todas as graças mais sublimes. Já foste conquistada pelo seu abraço, que ornamentou o seu peito com pedras preciosas... coroando-te com um diadema de ouro, marcado com o sinal da santidade» (Primeira Carta: FF, 2862).

Principalmente no início da sua experiência religiosa, Clara encontrou em Francisco de Assis não apenas um mestre cujos ensinamentos devia seguir, mas inclusive um amigo fraterno. A amizade entre estes dois santos constitui um aspecto muito bonito e importante. Com efeito, quando se encontram duas almas puras e inflamadas pelo mesmo amor a Deus, elas haurem da amizade recíproca um estímulo extremamente forte para percorrer o caminho da perfeição. A amizade é um dos sentimentos humanos mais nobres e elevados que a Graça divina purifica e transfigura. Como São Francisco e Santa Clara, também outros Santos viveram uma profunda amizade no caminho rumo à perfeição cristã, como São Francisco de Sales e Santa Joana Francisca de Chantal. E é precisamente São Francisco de Sales que escreve: «É bom poder amar na terra como se ama no céu, e aprendermos a amar neste mundo como havemos de fazer eternamente no outro. Aqui não me refiro ao simples amor de caridade, porque temos que ter este amor por todos os homens; refiro-me à amizade espiritual, no âmbito da qual duas, três ou mais pessoas permutam entre si a devoção e os afectos espirituais, tornando-se realmente um só espírito» (Introdução à vida devota, III, 19).
Depois de ter transcorrido um período de alguns meses no interior de outras comunidades monásticas, resistindo às pressões dos seus familiares que inicialmente não aprovaram a sua escolha, Clara estabeleceu-se com as primeiras companheiras na igreja de São Damião, onde os frades menores tinham organizado um pequeno convento para si mesmos. Naquele mosteiro ela viveu por mais de quarenta anos, até à morte, ocorrida em 1253. Dispomos de uma descrição de primeira mão, sobre o modo como estas mulheres viviam naqueles anos, nos primórdios do movimento franciscano. Trata-se do relatório admirado de um bispo flamengo em visita à Itália, D. Tiago de Vitry, que afirma ter-se encontrado com um grande número de homens e mulheres, de todas as classes sociais que, «deixando tudo por Cristo, fugiam do mundo. Chamavam-se frades menores e irmãs menores e são tidos em grande consideração pelo Senhor Papa e pelos cardeais... As mulheres... vivem juntas, em diversos hospícios não distantes das cidades. Nada recebem, mas vivem do trabalho das suas próprias mãos. E sentem-se profundamente amarguradas e incomodadas, porque são honradas mais do que desejariam por clérigos e leigos» (Carta de Outubro de 1216: FF, 2205.2207).

Tiago de Vitry tinha reconhecido com perspicácia uma característica da espiritualidade franciscana, à qual Clara era muito sensível: a radicalidade da pobreza, associada à confiança total na Providência divina. Por este motivo, ela agiu com grande determinação, obtendo da parte do Papa Gregório IX ou, provavelmente, já do Papa Inocêncio III, o chamado Privilegium paupertatis (cf. FF, 3279). Com base nisto, Clara e as suas companheiras de São Damião não podiam possuir qualquer propriedade material. Tratava-se de uma excepção verdadeiramente extraordinária em relação ao direito canónico então em vigor, e as autoridades eclesiásticas daquela época concederam-no, valorizando os frutos de santidade evangélica, que reconheciam no estilo de vida de Clara e das suas irmãs. Isto demonstra que, também nos séculos da Idade Média, o papel das mulheres não era secundário, mas considerável. A este propósito, é útil recordar que Clara foi a primeira mulher na história da Igreja que compôs uma Regra escrita, submetida à aprovação do Papa, para que o carisma de Francisco de Assis fosse conservado em todas as comunidades femininas, que se iam estabelecendo em grande número já naquela época e que desejavam inspirar-se no exemplo de Francisco e de Clara.

No convento de São Damião, Clara praticou de maneira heróica as virtudes que deveriam distinguir cada cristão: a humildade, o espírito de piedade e de penitência, a caridade. Não obstante fosse a superiora, ela queria servir pessoalmente as irmãs enfermas, sujeitando-se inclusive a tarefas extremamente humildes: com efeito, a caridade ultrapassa qualquer resistência, e quem ama realiza todo o sacrifício com alegria. A sua fé na presença real da Eucaristia era tão grande que, por duas vezes, se verificou um acontecimento milagroso. Só com a ostensão do Santíssimo Sacramento, ela afugentou os soldados mercenários sarracenos, que estavam prestes a invadir o convento de São Damião e a devastar a cidade de Assis.

Também estes episódios, assim como outros milagres dos quais se conservava a memória, impeliram o Papa Alexandre IV a canonizá-la apenas dois anos depois da sua morte, em 1255, delineando um seu elogio na Bula de canonização, em que lemos: «Como é vivo o poder desta luz e como é forte a resplandecência desta fonte luminosa! Na realidade, esta luz mantinha-se fechada no escondimento da vida claustral, enquanto fora irradiava clarões luminosos; recolhia-se num mosteiro angusto, enquanto fora se difundia em toda a vastidão do mundo. Conservava-se dentro e propagava-se fora. Com efeito, Clara escondia-se, mas a sua vida era revelada a todos. Clara calava-se, mas a sua fama clamava» (FF, 3284). E é precisamente assim, estimados amigos: são os Santos que mudam o mundo para melhor, que o transformam de forma duradoura, infundindo as energias que unicamente o amor inspirado pelo Evangelho pode suscitar. Os Santos são os grandes benfeitores da humanidade!

A espiritualidade de Santa Clara, a síntese da sua proposta de santidade é condensada na quarta Carta a Santa Inês de Praga. Santa Clara recorre a uma imagem muito difundida na Idade Média, de ascendências patrísticas: o espelho. E convida a sua amiga de Praga a reflectir-se naquele espelho de perfeição de todas as virtudes, que é o próprio Senhor. Ela escreve: «Sem dúvida, feliz é aquela a quem é concedido beneficiar desta sagrada união, para aderir com o profundo do coração [a Cristo], Àquele cuja beleza é admirada incessantemente por todas as bem-aventuradas plêiades dos céus, cujo afecto apaixona, cuja contemplação restabelece, cuja benignidade sacia, cuja suavidade satisfaz, cuja recordação resplandece suavemente, diante de cujo perfume os mortos voltarão à vida e cuja visão gloriosa tornará bem-aventurados todos os cidadãos da Jerusalém celeste. E dado que Ele é esplendor da glória, candura da luz eterna e espelho sem mancha, olha todos os dias para este espelho, ó rainha esposa de Jesus Cristo, e nela perscruta continuamente o teu rosto, para que assim tu possas adornar-te inteiramente no interior e no exterior... Neste espelho refulgem a bem-aventurada pobreza, a santa humildade e a inefável caridade» (Quarta Carta: FF, 2901-2903).

Gratos a Deus que nos doa os Santos que falam ao nosso coração e nos oferecem um exemplo de vida cristã a imitar, gostaria de concluir com as mesmas palavras de bênção que Santa Clara compôs para as suas irmãs de hábito e que ainda hoje as Clarissas, desempenhando um papel precioso na Igreja com a sua oração e a sua obra, conservam com grande devoção. São expressões em que sobressai toda a ternura da sua maternidade espiritual: «Abençoo-vos na minha vida e após a minha morte, como posso e mais do que posso, com todas as bênçãos com as quais o Pai da misericórdia abençoou e há-de abençoar no céu e na terra os filhos e as filhas, e com as quais um pai e uma mãe espiritual abençoaram e hão-de abençoar os seus filhos e as suas filhas espirituais. Amém!» (FF, 2856).