sábado, 2 de outubro de 2010

Como S. Francisco converteu um lobo e arranjou as pazes entre ele e os habitantes de Gúbio


"Em tempo que S. Francisco morava na cidade de Gúbio, no condado do mesmo nome, apareceu um lobo grandíssimo, terrível e feroz, que não somente devorava os animais, senão também os homens; de modo que todos os cidadãos viviam em grande susto, porque muitas vezes se aproximava da cidade; e todos iam armados quando saíam aos campos, como se fossem para algum combate. Com tudo isso, quem sozinho o encontrava não podia defender-se, e, por medo a este lobo, chegou-se a pontos de ninguém ousar sair da terra. Pelo que, S. Francisco, compadecido dos homens daquela cidade, quis sair ao encontro do lobo, apesar de todos lhe aconselharem o contrário; ele, porém, fazendo o sinal da cruz, saiu fora da cidade com os seus companheiros, pondo em Deus toda a confiança. E temendo os outros avançar mais além, tomou ele o caminho para os lados onde o lobo estava. E eis que, à vista de muitos citadinos que tinham acudido para ver o milagre, saiu o lobo, de goelas abertas, ao encontro de S. Francisco, que fez sobre ele o sinal da cruz, chamou-o e disse-lhe assim:
 
'Anda cá, irmão lobo! Eu te mando, da parte de Cristo, que não faças mal, nem a mim nem a pessoa alguma'.
 
Coisa maravilhosa! Logo que S. Francisco fez o sinal da cruz, aquele lobo terrível fechou a boca e estacou; e, ao mando do Santo, veio mansamente, como se fosse um cordeirinho, e deitou-se-lhe aos pés. Então S. Francisco falou-lhe desta maneira:
 
'Irmão lobo, tu fazes muitos danos nesta terra, e tens cometido grandes crimes, destruindo e matando as criaturas de Deus, sem Sua licença. E não somente mataste e devoraste os animais, mas tiveste a audácia de matar e destruir os homens, feitos à imagem de Deus. Por esta razão és digno de forca, como ladrão e homicida péssimo; e toda esta terra é tua inimiga. Por esta razão, és digno de forca, como ladrão e homicida péssimo; e toda esta terra é tua inimiga. Mas eu quero, irmão lobo, fazer as pazes entre ti e eles, de maneira que tu não mais os ofendas, e eles te perdoarão as passadas ofensas, e nem os homens nem cães te perseguirão mais'.
 
Ditas estas palavras, o lobo, como movimentos do corpo, da cauda e das orelhas, e com inclinações de cabeça, mostrava aceitar o que S. Francisco lhe dizia, e querer cumpri-lo. E então S. Francisco acrescentou:
 
'Irmão lobo, visto ser do teu agrado observar esta paz, eu te prometo, da parte dos homens desta terra, atender ao teu sustento, enquanto fores vivo, de sorte que não padeças fome, porque eu sei muito bem que foi ela que te levou a fazer tanto mal. Mas agora, já que eu te concedo esta graça, quero irmão lobo, que me prometas nunca mais tornar a fazer mal nem a homem nem a animal. Prometes isto?'
 
E o lobo, com uma inclinação de cabeça, deu evidente sinal de que prometia.
 
'Irmão lobo, disse mais S. Francisco, para que eu me possa fiar de ti, quero que me dês uma prova da tua promessa'.
 
E estendendo a mão para receber o juramento, levantou o lobo a pata dianteira e familiarmente a colocou na mão de S. Francisco, dando-le o sinal pedido.
 
Então acrescentou S. Francisco.
 
'Irmão lobo, eu te mando, em nome de Jesus Cristo, que venhas comigo, sem temor algum, e vamos concluir esta paz, em nome de Deus'.
 
E o lobo, obediente, foi com ele, manso como um cordeiro. Do que os citadinos tomaram grande maravilha.
 
E subitamente correu esta novidade por toda a terra; e toda a gente, grandes e pequenos, homens e mulheres, jovens e velhos, correram à praça, a ver o lobo com S. Francisco. E estando ali todo o povo reunido, levantou-se o Santo e pôs-se a pregar, dizendo, entre outras coisas que pelos pecados permite Deus tais calamidades; e que muito mais perigoso é o fogo do inferno, que eternamente há-de durar para os condenados, do que a raiva do lobo, que só o corpo pode matar; e assim, quanto é de temer a boca do inferno, quando tanta multidão tem medo e terror à boca de um pequeno animal?
 
'Voltai, portanto, caríssimos, a Deus, e fazei condigna penitência de vossos pecados; e Deus vos livrará agora do lobo, e do fogo do inferno, no futuro'.
 
Feita esta prática, disse S. Francisco:
 
'Escutai, irmãos meus: o irmão lobo, que está aqui diante de vós, prometeu e deu-me juramento de fazer as pazes convosco e de vos não ofender mais em coisa alguma, se vós prometerdes dar-lhe os alimentos necessários; e eu fico por fiador de que ele observará fielmente o tratado de paz'.
 
Então o povo, todo a uma voz, prometeu alimentar o lobo continuamente. E S. Francisco, perante todo o povo, disse ao lobo:
 
'E tu, irmão lobo, prometes cumprir o tratado de paz, não ofendendo nem aos homens, nem aos animais, nem a criatura alguma?'
 
E o lobo ajoelhando-se, e inclinando a cabeça, e com mansos sinais do corpo, da cauda e das orelhas, mostrava, como podia, que queria cumprir todo o pacto. E disse S. Francisco:
 
'Eu quero, irmão lobo, que, da mesma maneira que fora de portas me deste fé da tua promessa, também a dês, diante deste povo, para que eu fique certo de que me não enganarás na fiadoria que fiz por ti'.
 
Então o lobo, levantando a pata direita, pô-la na mão de S. Francisco. Donde, depois e do mais que fica dito, houve tanta admiração e alegria em todo o povo, assim pela devoção do Santo como pela novidade do milagre e mansidão do lobo, que todos começaram a clamar ao céu, louvando e bendizendo a Deus, que lhes havia mandado S. Francisco para que, por seus merecimentos, fossem livres daquela besta feroz.
 
Depois viveu o dito lobo em Gúbio, ainda dois anos; e familiarmente entrava pelas casas; ia de porta em porta, sem fazer mal a ninguém, nem pessoa alguma lho fazer a ele. E era alimentado generosamente por todos, e andava tão à vontade pelas ruas, que nem os cães lhe ladravam.
 
Finalmente passados dois anos, o irmão lobo morreu de velhice; do que toda a gente houve muita dor. Vendo-o andar tão mansamente pela cidade, melhor se recordavam da virtude e santidade de S. Francisco.
 
À honra de Cristo. Ámen" Florinhas de S. Francisco, 21